Crônica sobre o poeta paraibano Lúcio Lins que nos deixou no dia 16 de abril de 2005.
Por Benedito dos Santos (Bené)
Paraíba - Maio - 2005
Vítima de um câncer, único elemento que a muito custo acha que lhe venceu. Com essa vitória parcial dessa chaga, no dia 16 de abril de 2005, apagou se uma chama desse vulcão cultural paraibano, chamado Lucio Sergio Ferreira Lins - ou simplesmente Poeta Lúcio Lins.
Vamos conhecer um pouco do que foi Lúcio Lins. Nascido no dia 20 de fevereiro de 1948, na cidade de Philipéia - hoje João Pessoa. Autor de "Lado que Cavo/ que Covas" (1981-Ed. Alça de Mira) e "As Lãs da Insônia" (1982, Ed. Idéia). Era formado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba da qual também era funcionário.
Lúcio Lins iniciou sua carreira publicando nos periódicos de João Pessoa em 1975, depois passou a contribuir com suplementos literários a exemplo de Correios das Artes, Suplemento de Minas, entre outros. Em 1982 foi vencedor do II Festival Norte-Nordeste da Música Popular Brasileira em parceria com Byaia, ganhando como a melhor Letra com a música Vôo Livre.
Integrou, nos anos 70, o Movimento Jaguaribe Carne juntamente com Pedro Osmar, Paulo Ró, Chico César, entre outros.
Tem parceria em músicas gravadas com Byaia, Fuba, no disco Esculamba e Chico César no seu último disco Beleza Mano, com o poema Duas Margens.
Confesso aos leitores do Jornal do Capoeira que me acovardei quando da inauguração da Casa de Cultura Lúcio Lins, em sua homenagem, os mesmo estava desfigurado de tanta emoção, vi na expressão daquela figura humana que desfigurava lentamente, brincando com a malvada da gente, deixando-a descontente, pois ele não queria deixar a gente. Lutou! Brigou! Esbravejou! Cuspiu na cara da morte bravamente! Tudo isso pela gente! Mas num dia diferente, ele desconte. Deu um tchau pra gente e foi embora contente! Deixando a morte na corrente!
Lúcio tinha a facilidade de formar redes de amigos, como é provado pelo leque de grandes nomes da música, da poesia, da imprensa, enfim, todos tinham a atenção de Lúcio. Simplesmente um grande poeta!
Vejamos a fala de alguns desses inesquecíveis amigos que Lúcio conquistou e preservou.
O professor, poeta e escritor Hildeberto Barbosa Filho compara a linha poética de Lúcio Lins ao estilo de Dorival Caymmy, "que é a presença do mar como grande metáfora da aventura poética, da própria viagem da vida. O mar como a grande metáfora da viagem", define, lembrando que esse ponto comum, ele observou logo no primeiro livro, "Lado que Cavo/que Covas" (1982) até o mais recente, "Perdidos Astrolábios".
Ele será um Caymmi que terá identificação musical com a cidade. Hildeberto Barbosa acha que com essa afinidade, Lúcio Lins se enquadra dentro do meio musical paraibano com as parcerias assinadas com Chico César, Eleonora Falconi, Adeildo Vieira, entre outros. Do amigo, Hildeberto Barbosa diz que ficou a imagem de um poeta inquieto que estava em toda parte e muito generoso. "Era o poeta mais representativo de sua geração. A obra dele é de qualidade. Ele e Sérgio de Castro Pinto são poetas de alto nível", considera, colocando Lúcio Lins como um irmão.
"Ele vinha à minha casa todo dia. Essa amizade foi uma das coisas mais importantes da minha vida. Com ele eu aprendi muito a lutar pela nossa cultura e arte em geral. Ele estava sempre procurando fazer algo pela cultura paraibana e ajudar os amigos", confessa Hildeberto, que deu a última prova de boa amizade no velório da São João Batista quando "vesti a roupa para colocá-lo no caixão".
O cantor e compositor Vital Farias lê a poesia de Lúcio Lins: "com visão da melhor qualidade. A poesia dele é muito poderosa. É um poeta que fala a verdade quando quer se expressar. Lúcio fazia uma poesia verdadeira, não tinha a mentira para querer aparecer tentando enganar e impressionar o leitor. Sua inspiração e seus inscritos revelam o grande poeta que foi. Ele foi o escultor das próprias palavras".
Mesmo afirmando que não gosta de comentar a vida de ninguém depois da morte, Vital Farias declara que Lúcio Lins é um poeta maduro de uma poesia milenar. "Não vou lamentar a morte dele porque não vale a pena. Ele vai permanecer vivo com a poesia que deixou. Conseguiu se imortalizar com sua obra", celebra.
"Poeta extraordinário": a definição é de Oliveira de Panelas. "Até nas conversas ele deixava a gente meditar sobre sua poesia quando falava de qualquer coisa. Ele demonstrava o seu lado poético até quando falava em política, futebol e outras coisas do cotidiano".
Para Oliveira de Panelas, a morte de Lúcio Lins deixa uma lacuna nas letras e nas artes paraibanas. "Ele vivia o dia-a-dia dessa cidade procurando sempre dar sua colaboração com sua arte de fazer poesia, o que ele sabia fazer muito bem", afirma.
O músico e compositor Escurinho conta que tem duas músicas prontas a partir de poemas de Lúcio Lins. "São trabalhos inéditos, mas não vou aproveitar essa oportunidade da morte dele. Quero deixar passar essa onda do falecimento para tomar uma decisão sobre o nosso trabalho". Afirmou Escurinho.
No dia 25 de fevereiro de 2005, foi inaugurada a casa da cultura Lúcio Lins, última homenagem em vida desse inesquecível Ser da literatura paraibana, onde amigos, a exemplo de Adeildo Vieira, músico e compositor, prefeito da cidade Ricardo Coutinho, Bebé de Natércio, Kennedy Costa, músico e parceiro de Lúcio Lins, Milton Dornellas, Fuba, músico e vereador da cidade, Erivan, músico e compositor, integrante do Grupo Tocaia, poeta Edonio Alves, Hildeberto Barbosa Filho, poeta, professor universitário e amigo pessoal de Lúcio Lins, como o defende um "irmão", Renata Arruda, cantora, Cristovam Tadeu, humorista, Ed Porto, poeta. Também estiveram presentes Wanderly Farias, organizador, Zezzita Mattos, poeta de diversas áreas do conhecimento manifestaram seu gestão de solidariedade e amizade a um poeta inquieto e produtivo, como era Lúcio Lins, que tive o prazer e a honra de ingerir algumas gotas do seu saber poético, obrigado, suas dicas me servirão de exemplo nessa trajetória literária.
Tenho a honra de publicar no Jornal do Capoeira, textos de uma agenda poética que me foi presenteada pelo mesmo, com o seu humor de irmão e camarada como sempre se dirigia a mim quando necessitava de alguma informação do trabalho que eu realizo e do qual ele era usuário.
Bené - Paraíba, Maio de 2005
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A Reforma (Lúcio Lins)
faço poemas
reformando a casa
sento cerâmica
no papel
e os pedreiros
sentam palavras
na sala
sou eu
que estou em silencio
são eles
que têm a fala
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História Flutuante (Lúcio Lins)
não tenho horizontes
tenho sonhos à vela
e a tempestade da história
não tenho mapas
tenho cartas anônimas
e os gritos de seus náufragos
não tenho mares
tenho a garganta seca
e as palavras navegáveis
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Memória das águas (Lúcio Lins)
Sei do mar
do seu sal
suas palavras naus
e toda paisagem
uma vista de Portugal
sei do mar
do seu longe
sua história mangue
e marulho nas ondas
uma linguagem lusitana
sei do mar
que o mar
ainda é um silêncio
e a palavra mar
um oceano de palavras
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Duas Margens (Lúcio Lins)
Quando o tempo
me cobrir os céus
com a anágua suja
da tua espera
e teus lábios
forem duas margens
um
gritando calmaria
outro
clamando tempestade
eu voltarei
de corpo e barco
e por ti
seguirei minha viagem
navegarei
entre teus braços
e segredos
eu
serei teu búzio
tu
serás o meu degredo
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Cabo Branco ( Lúcio Lins)
extremo Cabo Branco
estranho trampolim
ao contemplar o Atlântico
o mar mergulha em mim
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Intervalo das Águas (Lúcio Lins)
Não parto:
Cedo-me a âncora
Feliz do mergulho
meu barco
deu-se ao intervalo das águas
e hoje eu nunca mais navegarei
hoje
me dirão nos arrecifes
pelas espumas das perdas
neste mar louco de pedras
meu barco
deu-se à ferrugem dos calados
e hoje eu nunca mais navegarei
não parto:
dou-me ao mar
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Toque de Bola (Lúcio Lins)
O gol
divide a dor
o grito
no alambrado da boca
assiste a vida da geral
o futebol
dribla o Domingo
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Fim de Feira (Lúcio Lins )
as barracas se despindo
num arrumar-se de pano
igual um fechar de cortina
no fim de mais um drama
o lucro rouco e miúdo
insiste em mais um ato
no chão meio lama meio palco
que vive um cenário triste
já bem mais menos apressado
na calma dos baixos preços
no apreço dos gritos altos
o camelô fecha a mala
que mais leva do que traz
partido pra outro teatro
com um monólogo a mais
e cascas que outrora vivas
escorregam no seu liso
feirante piso de feira
fim de peça e de palco
que foi ponto de encontro
pra se viver um espetáculo
as cargas descarregadas
carregam-se menos que antes
e paras ensaiar novamente
vão-se em fila os feirantes
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Romaria (Lúcio Lins)
a rua
é uma procissão
profana
as preces
de ir aos céus
cada homem
é seu andor
dando volta na praça
eu
também alcancei
essa graça
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FONTE:
Correio da Paraíba " caderno 2
Página C-1 edição de 19/04/2005
Jornal dos Municípios
Número 98 " edição abril/2005
Lúcio Lins (poética)
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Ilustração obtida em http://www.germinaliteratura.com.br/llins.htm
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Bené é pesquisador de Cultura Popular da Paraíba, e integrante do Grupo Zumbi de Cultura Popular
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