quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Divisão de Cultura Popular de João Pessoa - Parte final

Segue adiante a segunda parte da entrevista concedida pelo então diretor da Divisão de Cultura Popular da Prefeitura Municipal de João Pessoa, José Emilson Ribeiro, ao nosso pesquisador, Bené, em meados do ano de 2005. A entrevista foi publicada no portal "Jornal do Capoeira".



Por Benedito dos Santos (Bené) - Paraíba - Maio " 2005

Foto: Ivomar G. Pereira-Repórter - DRT 15855




JOCAP - Dando prosseguimento à nossa entrevista, perguntamos ao Sr. José Emilson: com relação aos herdeiros desses mestres que se foram, como está o interesse dessa juventude em seguir essa cultura deixada pelos seus pais?
José Emilson - "Há de convir companheiro, em tempos passados, nós tínhamos outra realidade em que, por exemplo, o Mestre do Babau, chegava em qualquer lugar e juntava um grande público. Esse grande público contribuía economicamente na sobrevivência dele. O cantador de viola, chegava em qualquer local, começava a botar a "violinha" para cantar, improvisar, e de repente, o recinto estava cheio. Eu alcancei isso ainda, na Feira do Oitizeiro, a quarenta anos atrás. Essa realidade é diferente. Atualmente isto só é possível de acontecer através de um trabalho de mídia, através da divulgação previamente preparada. Com isto se tornou difícil haver uma renda patrocinada pelos próprios ouvintes. Isso tem feito com que as pessoas não queiram mais continuar! Isso ficou bem claro, com relação aos herdeiros culturais do Mestre Martins Guedes, um dos maiores mestres de Mamulengo que nós tínhamos (não só do estado!). Hajavisto que, mesmo depois da sua morte, chegou convite para ele se apresentar em Brasília! Por conhecimentos que eles tinham da sua arte, muitos deles viviam em grandes dificuldades e só através do trabalho já desenvolvido pelo CPC, que conseguiu fazer uma rede de amigos, para apoiar a nossa cultura, é que tem dado para se apresentar em outros locais e ganhar algum cachê. Isso nos motivou para que reanimasse o trabalho. Acredito que acontecerá a mesma coisa com outros grupos de cultura daqui, a exemplo do "Boi-de-Reis" e do "Cavalo Marinho", aposta seu Emilson.

JOCAP - Seu Emilson, gostaria que o Sr. Nos falasse da Capoeira enquanto cultura na visão do CPC?
José Emilson - "Companheiro, com relação as capoeiras tenho diversos pontos a comentar. Antigamente dávamos atenção apenas à uma única capoeira, que era a capoeira Angola Palmares. Já hoje temos também a Capoeira Angola Comunidade desenvolvendo também trabalho. O presidente vinha para nossa diretoria e havia um certo ciúme de outras capoeiras locais, até que eles conseguiram passar por cima e nos procurar, e nós cedemos o espaço. Em quase todo evento que a CPC está promovendo - uma vez por mês - a Capoeira está presente. Ora ou outra, nos procuram com avidez de se apresentar; no último dia 26 de março próximo passado, nós tivemos a apresentação da Capoeira Madeira de Lei do Mestre Bambu, que ministra aulas em Recife e no bairro dos Novais através do instrutor Mola. Ficaram satisfeitíssimo por terem se apresentado no CPC, coisa que eles queriam a muito tempo. Outro exemplo é o trabalho belíssimo realizado pela Associação Cultural de Capoeira Badauê, e nós estamos querendo o retorno dela, com as suas danças Afro, pois aquilo marcou a memória e o povo fica perguntando "e aquele grupo de dança?". Sabemos que não é um grupo de dança, é um grupo de capoeira. Mas pensamos que todos os grupos de capoeira deveriam ter também estas manifestações, pois isso tem sido bom. Porque isso força as outras capoeiras a fazerem um trabalho melhor, diferenciar do corriqueiro e apresentar um trabalho mais esmerado. Infelizmente aconteceu do Zunga, da Afro Nagô, que se prontificou para se apresentar e na hora não apareceu por conta de outros problemas particulares deles. Mas, por outro lado, o contramestre Pantera, está esmerando se na execução de algumas particularidades da capoeira, porque você sabe que muitas coisas que a capoeira tem, o povo não vê! O Maculelê, a Orquestra de Berimbau, as Danças Afro, são fundamentais. A única coisa que precisa ser fundamental é a ginga. Mas o Samba Duro, o Samba de Roda, o Bate Coxa, são coisas que precisam ser levadas para o povo ver. Isto não acontecia até pouco tempo atrás. Um outro foco nesta questão são os eventos folclóricos. Sei que tem muita diferença, misturar folclórico com parafolclorico, apesar do mesmo termo, é um tempo tão pequeno que não dá para a pessoa apresentar suas particularidade. Por conta disso, aquele evento que nós fizemos "O que a capoeira tem que o povo não vê!", aquilo mexeu com muita gente(*). Inclusive tem muita gente aqui na FUNJOPE que viu pela primeira vez uma orquestra de berimbau, e se encantou!

(*) O Sr. José Emilson se refere a uma apresentação de dança Afro com a Associação Cultural de Capoeira Badauê, através do grupo Pérola Negra, sob a responsabilidade do contramestre Rafael Magnata.

JOCAP - Sr. Emilson, quais são as perspectivas e metas do CPC em desenvolver suas atividades, uma vez que o bairro dos Novais quer ramificar as atividades do CPC, como está idéia? José Emilson - "O CPC, desde o seu início, permitiu a criação de outros CPC"s em outros bairros. Em cada CPC significa um trabalho de garimpagem do que nós temos na nossa cultura. Alguém que vê nossa apresentação e lembra, "Ah!..meu tio falava muito numa ciranda que participou quando era jovem"; "tinha um tio que participou do boi-de-reis". E aí começamos a "cavacar" e as pessoas vem tentando trazer a tona aquilo que participou na sua juventude". Exemplifica seu Emilson.

JOCAP - Com esse resgate - queira ou não queira, um é o fortalecimento e o outro o resgate - dessa força que já existiu por aqui, podemos ter uma revolução da cultura popular, isso feito de uma maneira homogênea e bem ensaiada com a valorização dos seus artista, seus personagens principais?
José Emilson - "Eu acredito que pode acontecer, desde que, os agentes principais não fiquem de fora do planejamento, ou seja, que a Funjope, ao planejar o trabalho de difusão, vá atrás dessas pessoas mais interessadas. Ou seja, no caso do trabalho da capoeira, chame os mestres para discutir, para fazer apresentações. Se for um trabalho de salão, de academia, trazer os coronéis de quadrilha para discutir. É essa questão que estamos discutindo, eu e outras pessoas da Divisão de Cultura Popular. Temos procurado participar das reuniões das várias quadrilhas que nos procuram. Ficamos aqui um dia desses, horas, esperando uma reunião com a "Associação das Quadrilhas Juninas", mas infelizmente ninguém apareceu. Nós estamos abertos a ir na casa desse povo, e nas feiras de artesanato, seguir junto com os próprios artesãos. E quando for feito dessa forma, há uma tendência a explodir a nossa cultura popular em João Pessoa, mas não fazer isso que está fazendo. A minha Divisão está planejando para o mês de agosto próximo vindouro, um Festival de Folclore, onde nós não queremos trazer parafolclorico, mas somente folclórico e envolver todos os Estados vizinhos, no Festival Nordestino de Folclore". Promete seu Emilson.

JOCAP - Com relação a criação da Divisão de Cultura Popular, politicamente, podemos esperar uma ação permanente?
José Emilson - "Eu acredito que, uma vez atiçado a caixa de marimbondo, não vai se tranqüilizar. Uma vez que você esta na Capoeira, esteja participando do evento, se sinta satisfeito com aquele evento. Você pode cobrar depois que o governo passar, isso vai acontecer com a capoeira. Foi como surgiu o CPC, foi uma alternativa o que aconteceu com a ausência de uma estrutura estatal, uma estrutura estatizante, o CPC surgiu como uma alternativa. E creio que cumpriu seu papel, porque senão, não estaria aqui hoje. Senão, muitos grupos de cultura popular continuariam hoje no anonimato".

JOCAP - O sr. Poderia descrever o perfil do CPC desde sua criação?
José Emilson - "O Centro Popular de Cultura surgiu de uma certa revolta com algumas pessoas ligadas a cultura. Quando nós vimos um elemento na estirpe de um Joaquim Guedes, com todo o seu conhecimento sobre a arte, que é Arte dos Bonecos, pedindo esmola para sobreviver... outras vezes, encontrado caído e as pessoas pensavam que era embriaguez, levando-o ao hospital, diagnosticou-se tratar de inanição. Isso nos revoltou e levou o grupo a se reunir com os mestres e criar o CPC. Diga-se de passagem, não foi fácil, porque muitos mestres não acreditavam que pudesse existir alguma coisa com o CPC e ficaram na resistência. Só depois de várias reuniões é que foram se achegando e começaram a participar. Mas sempre participaram com uma pulga atrás da orelha. E não foram só os mestres, mas o próprio povo do bairro dos Novais se perguntava: "Por que essa festa? Algum interesse político existe por detrás". E era preciso que os organizadores chegassem no meio da festa e dissessem: "Se um dia eu for candidato, não vote em mim, aqui não tem política, a nossa política é a cultura". Então, esse trabalho de transformar, de criar uma vitrine, onde chegava o Babau para se apresentar, o Boi-de-Reis, aí fazia o chamamento do pessoal da universidade ligado a cultura e poucos iam. Mas os poucos que foram começaram a fazer um trabalho "boa-a-boca". Com relação à mídia, preferimos sempre manter distância. O nosso trabalho é divulgado boa-a-boca. E começaram a ser contratados esses grupos, como foi o caso da Orquestra de Berimbau que se apresentou durante toda a sua existência, uma única vez no espaço cultural, e nem por isso chamou a atenção. Mas a primeira vez que se apresentou no CPC, causou burburinho dentro dos setores culturais, ao ponto das pessoas ligarem ao CPC querendo contrata-lá. Outro exemplo, a ONG que esteve presente já tem evento programado para a orquestra de berimbau, já está planejado sua inclusão no Curto Circuito. Outro segmento da UFPB já nos ligou querendo a presença da orquestra de berimbau. Eentão, essa é a função do CPC, servir de vitrine. Recentemente, um grupo de dança do bairro, estava dando um depoimento público, dizendo que depois que se apresentou no CPC as portas se abriram pra eles, porque a primeira vez que se apresentou no CPC, tinha oito pessoas na sua escola, e na segunda vez que se apresentou já tinha quinze pessoas... Na terceira vez que foram convidados a se apresentarem em outro bairro, já com vinte e oito pessoas e hoje já são referência no bairro. Então eles não se cansam de dizer: "a pessoa que tiver o apoio direto do CPC, seria uma forma de abrir as portas para eles". Porque hoje, tem gente telefonando querendo que eles se apresentem". Finalizou o diretor da Divisão de Cultural Popular da Fundação Cultural de João Pessoa "FUNJOPE, José Emilson Ribeiro.

Fotos : 1ª - Boi de Reis (Mestre Pirralhinho ao Centro); 2ª. Mateu e Catirina

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