domingo, 16 de janeiro de 2011

Capoeira, Negritude & Paraiba

Este artigo foi decomposto numa série de três artigos na época de sua publicação no portal Jornal do Capoeira. Aqui unimos os três artigos em apenas um.

Primeiro artigo de Benedito dos Santos, sobre o tema Capoeira e Negritude. Entrevista especial com Rafael Magnata do Capoeira Badauê.

= Nota do Editor =
Quando planejamos a edição especial CAPOEIRA E NEGRITUDE para nosso Jornal do Capoeira, de pronto, diversos colaboradores colocaram a mão na massa. Tanto é que decidimos estender a edição por mais uma semana, e ainda foi pouco. Ainda não publicamos todas as contribuições. Temos pelo menos mais cinco excelentes artigos sobre o tema e que estão sendo diagramadas em nossa Redação, sendo que ontem chegou uma vindo do Rio (Mestre Paulão!), e outras do Rio Grande do Sul. Temos ainda a segunda parte do artigo da pesquisadora Patrícia Moraes sobre o "Embranquecimento da Capoeira em João Pessoa-PB".
O amigo Bené - autor do artigo apresentado à seguir, por exemplo, pegou seu gravador e fez uma série de excelentes entrevistas na capital Paraibana. Entrevistou capoeiristas, professores, representantes de movimentos negros locais, além, é claro, de representantes do poder público. Resultado: ele nos enviou não apenas um, mas diversos artigos para nosso jornal do capoeira. Neste primeiro texto Bené, após fazer uma introdução sobre o tema, incluiu a entrevista com o capoeira Rafael Magnata da ONG Pérola Negra e daAssociação Cultural de Capoeira Badauê. Nos próximos artigos incluiremos as entrevistas do professor Antônio (Universidade Federal da Paraíba), do João Carlos Silva de Carvalho (Balula - Movimento de Ação Negra), da professora Tânia Maria da Silva Correia, do Pai Carlos (Federação Independente dos Cultos Afro) e da Verônica (Abimadele - movimento de mulheres negras) e do professor Valdeci Ferreira Chagas (Universidade Estadual da Paraíba)
Vamos, então, a primeiro artigo da Paraíba. Mas conscientes - este é o segredo - de que tem mais sendo preparado em nosso editorial.

Cordialmente,

                        Milton Cezar Ribeiro

A Capoeira e a negritude, duplo sentido vivido numa só pele, pois a capoeira é a razão da própria pele. Até porque, segundo Pierre Verger, "o negro só irá saber da sua história quando for escrita por um negro", e a luz do avanço das novas tecnologias, começa-se a pensar a história da capoeira de uma forma mais voltada para a educação e para cultura. Mesmo que de forma incipiente, mas já se percebe a inquietação de alguns, haja visto também, o alto índice de busca referente a capoeira na Internet hoje.
E com isso começa-se a questionar um pouco mais no sentido de remeter a capoeira mais ao campo da cultura e seus agentes; agentes esses que podem modificar essa socialização dentro do universo da capoeira. Porém, o mito que circula negativamente sobre nossa arte ainda se faz muito forte e presente.
O presente tema - Capoeira e Negritude-, enfocado pelo Jornal do Capoeira, é oportuno, pois visa tratar de um tema que não pode se dar por terminado em um só artigo. Buscamos, aqui na Paraíba, ouvir o maior número de pessoas ligadas de certa forma direta ao tema ora tratado, a começar pelo contramestre Rafael Magnata, coordenador da ONG Pérola Negra e da Associação Cultural de Capoeira Badauê. Rafael falou com muita propriedade ao Jornal do Capoeira e que irá, na próxima semana, nos contar tudo sobre a atuação da "Associação Capoeira Angola Palmares" e seus 15 anos de existência em João Pessoa.
Jornal do Capoeira - Rafael, qual seu ponto de vista em relação à capoeira e a negritude?
Rafael - "Capoeira e negritude é uma situação que está naturalmente irmanada, está colada uma na outra, uma vai mostrando a cada passo o caminho a ser seguido pela outra. Por exemplo, sabemos que nós, negros do Brasil, temos todo esse blá, blá de preconceito, de discriminação, e eu nem precisaria falar sobre isto, uma vez que vivemos isto dia-a-dia. No caso da capoeira em si, já trás para o negro brasileiro uma identidade; muito vezes o negro chega dentro da arte, da cultura, do esporte e dentro da propria capoeira sem base de informação do que é ser negro. "Alienado" vamos dizer assim...
E quando chega dentro da capoeira passa a convier com trabalhos coerentes, com mestres que têm realmente informações, que tem envolvimento com o processo da negritude por esse Brasil a fora. Aí sim ele passará a ser um negro mais consciente, mais assistido no que diz respeito à informação de sua identidade. A capoeira faz parte desse processo, e o espaço está aí aberto pra quem quer buscar a negritude e o ser negro consciente.
No caso acima se refere ao negro que não tem ainda sua consciência da negritude e que chega na capoeira para buscar um pouco suas raízes. Mas temos o caso do negro que já tem uma consciência, que já se assume, que tem mais acesso a essas informações do que é ser afro-descendentes ou ser negro. Neste caso ele ou ela busca realmente sua identidade, sua raiz e não tem lugar melhor, mesmo sem querer ser presunçoso - até mesmo por ser capoeirista-, mas não tem lugar melhor do que o ambiente da capoeira pra se buscar isso. Porque na capoeira encontrará grande parte das informações necessárias pra ele se auto afirmar como negro.
Então, por isso que eu digo que é uma coisa ligada na outra, a capoeira ajuda o alienado a se encontrar; e ainda dá tese de doutorado ao esclarecido se formar.
 Jornal do Capoeira - Hoje, com essas novas tecnologias, você acredita que a políticas de cotas é o melhor caminho para se resgatar a identidade do negro?
 Rafael - "Falando de tecnologia, quando a gente usa essa palavra tecnologia, a gente sempre passa pela nossa cabeça, uma coisa além da nossa compreensão, uma coisa alienígena, vamos colocar assim. Para mim tecnologia é tudo aquilo que a gente faz em beneficio próprio, em benefício de uma comunidade e do povo. Então, tudo que é consumido, tudo que se faz uma vez e dá certo e ajuda a quem está a seu redor, ajuda a comunidade, isso é tecnologia. Agora o que a gente precisa entender é que a tecnologia é especifica na capoeira à todo momento; como diz meu mestre: "Capoeira na Roda , Capoeira na Vida". Precisa-se jogar capoeira a todo momento, quer dizer, ter a "malandragem" suficiente pra utilizar as tecnologias e as coisas novas que estão aparecendo a seu favor.
Em relação ao sistema de cotas, essa é mais uma "tecnologia", mais uma informação nova que chega. Quer dizer, é nova para nós brasileiros, pois em outros países já se utilizavam e se utilizam ainda hoje de tal sistema. Por ser algo novo, não deixa de ser uma tecnologia, uma informação nova, e cabe a nós irmos à fundo buscar informações e conhecimentos para se poder utilizar isso a nosso favor. Acredito que essa política de cotas não desmerece a capacidade que o negro tem.
Jornal do Capoeira - A questão hoje dos órgãos de classe, os órgãos representativos do negro, com essa comunicação globalizada que estamos hoje, esse movimento, a globalização, ela tem facilitado a conscientização. Inclusive da capoeira que hoje a gente vê bem difundida e inserida no mundo. O que você acha desta questão da Capoeira e da negritude que estão lançando mão dessas novas tecnologias em prol da sua própria identidade?
Rafael - "Se voltarmos a dez anos atrás a gente vivia numa pendenga mesmo, a gente não tinha informação de nada, era tudo por debaixo dos panos, do tapete. Hoje a informação está aí, aberta, você abre rádio, jornal, aí esquece tudo isso, você abre a Internet e pega tudo isso junto. Sabe, hoje a gente tem mais acesso, ah!, mais o negro não tem computador em casa, certo! Mas não vamos ficar nesse discurso que negro é só pobre, negro é só miserável. Não!! Negro também tem um real, hoje como você bem disse a um tempo atrás, se encontra Internet a um real, então não justifica, agora é preciso trabalhar as pessoas, para fomentar nelas a real vontade de buscar conhecimento. Sem a vontade de buscar conhecimento, por mais que se tenha, não vai encontrar, e vai ficar sempre dizendo: "Ah! Me escondem as informações... Ah! Eu sou um coitadinho". Para mim esta é a maneira mais fácil de se acomodar. Minha sugestão: levante-se da cadeira - para não falar outra coisa - e vai a luta, porque informação hoje, literalmente, em toda esquina tem!", sentenciou o contramestre Rafael Magnata.
Jornal do Capoeira - Você acredita que o Movimento Negro nacional e local, dentro do seu processo histórico, ele tem avançado com essas tecnologias?
Rafael - "Tem, haja-visto o resultado prático, vamos deixar de teoria e vamos ao resultado prático: quantos negros e negras a gente vê andando na nossa cidade de João  Pessoa e que são "inconscientemente" - porque há uma consciência nisso, por isso está entre aspas-, usando roupas mais coloridas dentro da sua identidade? O pessoal de hoje sente-se mais a vontade em usar isso, mas voltando há dez atrás, era feio se mostrar como negro. Hoje não é.
São exemplos práticos que a gente pode pegar no dia-a-dia, isso sem contar as discussões que são abertas aí nos auditórios, nos encontros e nos salões com relação à negritude. Tanto o movimento negro local quanto o Nacional se beneficiam das novas tecnologias para multiplicar as informações necessárias. No caso do Nacional trabalham em prol da própria de nossa causa junto ao Governo Federal. Estão também aí a Fundação Palmares, o Grupo Guele, o Dez das Mulheres, e várias entidades que lutam pela defesa do direito do negro. Se você for a Internet e digitar a palavra "negro", o que tem de ONG, e o que tem de entidades negras no Brasil registradas e fazendo trabalhos bons é algo incontável. Então a gente não pode negar o uso dessa tecnologia em nosso benefício", concluiu o contramestre Rafael Magnata.
* * *
Segundo artigo de Benedito dos Santos (João Pessoa), sobre o tema Capoeira e Negritude. Entrevista especial Professor Antônio (UFP) e Carlos Silva de Carvalho (Balula) - Movimento de Ação Negra (Movane) de João Pessoa.
Nota do Editor:
    Pouco a pouco novas formas de debater sobre nossa arte vão surgindo. Vai sendo deixado de lado o modo mercantilista de discuti-la, vão sendo deixados a margem o excesso de fantasias, para dar espaço à discussão de seus temas nucleares. Um deles, sem sombra de dúvida, é o Capoeira e Negritude, ao qual dedicamos edição especial em nosso Jornal do Capoeira. Como adiantamos na semana passada, o assunto não se esgotou, bem pelo contrário, a cada dia está tomando mais espaço nas rodas de Papoeira. Nesta edição publicaremos mais algumas crônicas sobre o assunto, valendo ressaltar que tais contribuições chegaram à nossa Redação  a algumas semanas, mas só agora estamos publicando. É, a bem da verdade, uma forma de se manter o tema vivo não apenas na pauta do Jornal, como também para suscitar que novos debates e discussões ocorram.
    Para nossa felicidade, daqui alguns dias acontecerá o CONBRACE - Congresso Brasileiro de Ciência do Esporte, em Porto Alegre, onde o tema Capoeira e Negritude mereceu um artigo científico.
    Vamos à entrevista realizada pelo Bené, que contou com a participação especial do Professor Antônio (UFP) e Carlos Silva de Carvalho (Balula), do Movimento de Ação Negra (Movane) de João Pessoa.
       
            Miltinho Astronauta

Fotos por Bené & Nivaldo

Caros amigos leitores do Jornal do Capoeira, esta foi a segunda parte de nossa contribuição ao tema Capoeira & Negritude. Para compor este número especial, percorremos toda a capital paraibana entrevistando e ouvindo representantes da cultura negra e popular local. Semana passada foi a vez de entrevistarmos o contramestre Rafael Magnata (Ong Pérola Negra e Associação Cultural de Capoeira Badauê). Ainda esta semana estaremos publicando a terceira e última parte de nossa contribuição especial, que contará com as entrevistas especiais do professor Valdeci, da Verônica (Bimadelê), do Pai Carlos (Federação Independente de Cultos Afros) e da Professora Tânia Maria da Silva Correia.
Temos consciência que a soma das crônicas e artigos aqui publicados não encerra as discussões. Todavia sabemos que estamos no caminho, pois estamos abrindo espaço à todas as vertentes e representações, buscando nada mais do que apresentar a todos as visões de nossa capoeira enquanto uma luta não puramente de roda, mas uma luta de igualdade para o povo Brasileiro. E não há como negar que nossa nação é impregnada, no melhor sentido da palavra, do componente cultural Negritude!
A seguir apresentamos as entrevistas do professor Antônio, da Universidade Federal da Paraíba, que brindou-nos com uma visão muito salutar sobre o tema Capoeira & Negritude, e do João Carlos Silva de Carvalho (Balula) - do MOVANE.

Jornal do Capoeira - Professor com esse processo de globalização que vivemos hoje, como o senhor vê a importância da Capoeira enquanto cultura e a negritude de modo geral?

Professor Antônio -  "Nos dias de hoje tempos sim que pensar na globalização, pois pensando na globalização a partir da minha identidade, pensando a partir daquilo de que me é mais íntimo, que me é particular, acho fundamental e necessário uma discussão sobre Etnia e sobre a Negritude. Temos que observar, dentro de tudo isso, o que é forte dentro da Cultura Negra! A capoeira e o Candomblé são fontes de fortalecimento de nossa identidade, e a partir do reconhecimento e do respeito à essa identidade, teremos um mundo mais globalizado muito melhor. Com isto poderemos colocar nossa religião e a nossa visão de mundo sobre a capoeira e sobre no candomblé; eu acredito que isso ajudará a compor uma visão diferenciada, uma visão também globalizada, mas uma globalização igualitária de mundo!". Sentenciou o professor Antônio.

* * *
Perguntamos também ao presidente do Movimento Negro de João Pessoa e Coordenador do Movane - Movimento de Ação Negra, João Carlos Silva de Carvalho (Balula), seu ponto de vista com relação a Capoeira e a Negritude.

Jornal do Capoeira - Balula, estamos nessa construção de negritude e também tentando incentivar o pessoal principalmente da capoeira à assumirem compromisso com a negritude, com o enegrecer, com o o enegrecimento da capoeira; pois desde que a capoeira seguiu para um campo comercial ela tem deixado de ser  algo Cultural. Por conta disto tem perdido o seu lugar dentro da sociedade etnologicamente correto, ao que sugerimos, então, colocar um certo freio neste lado comercial da capoeira, fazendo que a mesma volte um pouco desse seu afã de ser um esporte, cultura ou qualquer outra definição, e pense que antes de qualquer coisa ela é uma cultura vinda de negros. E é aí que ela precisa ter um compromisso específico, claro e presente  na sua prática cotidiana.

            Balula, você diria que capoeira e negritude seguem dois sentidos semelhantes?

Balula - "Sim, o sentido é o mesmo, mas as questões de mercado tenderam a separar a Capoeira do negro que ela é. Você me perguntaria porquê? Por que ela precisou entrar na academia, e para entrar na academia ela tinha que embranquecer um pouco; para ela entrar no congresso idem, o mesmo acontecendo para ela entrar no simpósio, no certame, na competição, e por aí vai. Isto tudo são atos do comércio, não são atos da negritude. A negritude quer, e precisa, que a capoeira, enquanto agente de negritude, volte a se reconciliar com o povo negro!".

Jornal do Capoeira - Com relação a cultura globalizada e a questão da negritude, como a sociedade está vendo a cor negra, o ser negro, o direito do negro, e como a capoeira está envolvida nesse processo?

Balula - "Hoje estamos numa luta diferenciada, que é a luta de entender as tecnologias que a ciência criou. Afro-descendência, Etnia, entre outras no dia-a-dia; Temos que entender tudo isso e tentar praticar isso junto com a comunidade em geral. Tem sido muito difícil pra todos compreenderem o avanço -  a expansão - dessa tecnologia toda. E a necessidade que a ciência tem de dar terminologia as coisas que o povo faz com naturalidade tem dificultado o acesso da própria negritude a suas próprias manifestações, principalmente das pessoas negras.

            Estamos falando de pessoas e de sociedade, onde temos que considerar desde os bens mínimos que a globalização propõe, desde a loja de R$-1,99 (referência ao inicio dos anos 90 com a febre dos importados a R$-1,99), lembrando-se que as vezes os negros tem medo de entrar nas lojas de R$-1,99, imagine então de entrar nos shoppings! Tudo virou mercado, virou auto-consumo, como se fosse alta-costura, alta-moda e alta-estação. Mas nós que sabemos do que se passa e nós que trabalhamos com negritude temos que se preocupar bastante com este processo de neo-colonização. Isto já era previsto se analisássemos as entrelinhas, e por conta disto temos que enfrentar esse processo com a máxima cautela possível, acreditando que enquanto agente patrocinador da negritude, nós temos que ultrapassar essas barreiras!".

Jornal do Capoeira - Balula, você é ator, diretor, cidadão negro, tem uma grande militância aqui em João Pessoa e sabe que vivemos com todo esse processo de globalização, com essas novas tecnologias etc. Considerando que você coordena o Movimento de Ação Negra, o MOVANE e o Movimento Negro de João Pessoa, como  você vê esse processo dentro do movimento nacional e local?

Balula - "Vejo que os grupos tem perspectivas de que a comunidade negra tenha sempre mais espaço na sociedade como um todo. O problema é que os grupos tem pouca perna, mesmo fazendo o máximo possível, mas ainda assim é pouco para a demanda social que vivemos. Com isto, as vezes o resultado acaba não sendo visto. Não se vê quando chega uma cartilha nas mãos da criançada na escola, como também não se vê chegar isto nas mãos da vizinhança. Temos consciência que tais cartilhas vão modificando, para melhor, a vida da comunidade, mas isto ainda não é visto pela sociedade! Quando você faz um debate, faz um encontro, um simpósio - porque a sociedade se acostumou com coisas grandes, enormes-, aí a sociedade comparece. Mas nós que somos do movimento negro não temos condições de fazer grandes eventos, temos apenas condição de fazer trabalho de formiguinhas mesmo, vamos modificando, no dia-a-dia, uma coisa após outra, e com isto as vezes parece que estamos no fim da fila, que nós estamos indo pra trás, entende, no fim da rabeira. Como se estivéssemos dando dois passo para trás e um pra frente, isso é o que parece. Mas na verdade a situação é bem diferente, pois estamos fazendo nossa parte, considerando, é claro, os limites impostos pela própria sociedade.

            Ela, a sociedade, que organizou-se melhor que a gente é está no controle, pois a maioria da sociedade é branca. Mesmo tendo boas experiências dentro do movimento negro, ainda percebemos que boa parte de nossas experiências não alcançou o resultado desejado. Todavia, temos total consciência que estamos no caminho certo, mesmo fazendo um trabalho lento aos olhos de alguns. Nosso trabalho é, acima de tudo, conseqüente!". Finalizou João Balula.







Este é o terceiro e último artigo sobre Capoeira e Negritude de Benedito dos Santos (João Pessoa). Nestas estrevistas Bené contou com a contribuição especial da professora Tânia Maria da Silva Correia; do Pai Carlos, da Verônica (Bimadelê) e do professor Valdeci Ferreira Chagas (UEPB).

Finalizando a série Capoeira & Negritude - Contribuições da Paraíba, apresentamos para nossos capoeiras leitores mais algumas entrevistas realizadas no mês de Agosto de 2005. Tais entrevistas se deram durante a criação da Secretaria das Minorias Raciais de João Pessoa. Aqueles que acompanham nossas matérias já devem ter lido os pontos de vistas do contramestre Rafael Magnata, Professor Antonio (UFPB) e João Balula (MOVANE).
Nesta edição trazemos para vocês mais algumas considerações sobre o tema em questão. Lembrando a todos que, seguramente, o mote Capoeira e Negritude daria dezenas de teses doutorais, ou mesmo mereceria horas de debates intra-grupos. Vamos então à entrevista com a professora Tânia Maria da Silva Correia (educadora e membro do Bimadelê); Pai Carlos ( Federação Independente dos Cultos Afro Pai Carlos), Verônica (Bimadelê) e professor Valdeci Ferreira Chagas (UEPB). Todos de uma forma ou de outra deram suas contribuições sobre o assunto, colocando posições que precisam ser refletidas pela comunidade negra na cidade de João Pessoa, do Brasil e do Mundo.

Jornal do Capoeira - Professora Tânia, como educadora, qual é seu ponto de vista em relação a negritude no Brasil e, mais especificamente, na Paraíba?
Professora Tânia -  "O debate sobre o tema negritude no Brasil é de fundamental importância, e percebemos que, para nossa felicidade, está acontecendo. Percebe-se que temos avançado em diversos pontos, mas mesmo assim acredito que ainda falta muito à ser conquistado. Sabemos que o problema principal que se esbarra é que o negro ainda não se assumem enquanto tal. Isto acontecendo, deixam também de assumir sua própria negritude, indo por água todas as nossas culturas,  nossas tradições e por ai vai. Na Paraíba temos muitos grupos bons, várias entidades - hoje contamos com 62 entidades, mas nem todas articuladas para trabalhar em prol negritude-, mas algumas acabam, até de forma involuntária, descriminando valores como por exemplo o da religião. Sabemos que isto acaba não contribuindo muito com nossa "causa". Para mudar este cenário precisamos mobilizar nosso pessoal, juntar nossas forças e promover oficina que valorizem a negritude. Vale lembrar que cabe principalmente a nós, que somos educadores, conscientizar nosso povo de seu próprio valor!
Jornal do Capoeira - A capoeira e a negritude são essencialmente ligadas, podemos dizer que são coisas semelhantes. Você acredita que com esse processo de globalização a Capoeira venha a ser um elemento de sustentação ao fortalecimento do valor da negritude?
Professora Tânia - "Acredito que se tivéssemos mais pessoas que trabalhassem dentro da capoeira com a consciência, ela - a capoeira - poderia ser um ícone dentro do movimento negro, resultando-se na preservação de nossas culturas e nossas tradições. Sabemos que a capoeira é milenar, e é uma tradição que veio da África, então, acredito que se a capoeira tivesse mais pessoas sérias trabalhando com isso, teríamos uma capoeira com a cara do movimento. Nós, educadores e participantes do movimento negro, trabalhar pessoas comprometidas com capoeira, porque são poucos os grupos que tem essa consciência, haja vista que a capoeira é uma tradição negra e muitos ainda acham que jogar capoeira é só bater, e é só violência, então a gente precisa trabalhar isso ainda com muitos grupos de capoeira.
Jornal do Capoeira - Professora Tânia, como educadora de fato e de direito, você vê que é possível dizer que o negro tem efetivamente acesso a educação, incluindo-se o uso dessas novas tecnologias?
Professora Tânia -  "Acredito que avançamos muito, mas é evidente que a baixa estima muito acentuada e a discriminação que o negro sempre sofreu dificulta um pouco este processo todo. Acredito que a maioria de nós ainda não se atreveu a ousar, ou melhor dizendo, o negro precisa ousar mais, pois só assim saberemos e colocaremos em prática nossos direitos, conseguindo abrir novos espaços na sociedade". Finalizou a professora Tânia Maria da Silva Correia com muita propriedade.




Entrevistamos também, o representante da Federação Independente dos Cultos Afro Pai Carlos que perguntado o que representa a questão religiosas dentro do movimento negro de modo geral nos dias de hoje, respondeu-nos da seguinte maneira:

Pai Carlos - Hoje em dia temos aceitação de um modo geral pela sociedade através de eventos que trazem informação sobre as culturas afro brasileira. Digo isto principalmente do lado religioso, porque a nossa religião, como se sabe, é de origem escrava, de uma raça que veio muito sofrida e que continua sofrendo discriminação. Hoje os cultos afros estão inseridos nos movimentos, em todos os segmentos da sociedade, entre as mulheres, entre os homens de uma forma geral, e nós vemos que com o apoio tem também partido por meio de Leis de Incentivo. Em relação aos cultos afros, observa-se que aqui no próprio Estado da Paraíba vemos um crescimento que é de certo ponto positivo, mas ainda temos muita barreira a derrubar, temos que correr atrás para alcançar mais êxito em nossa prática. Nos dias de hoje precisa-se de mais "inclusão" - no melhor sentido da palavra-, relacionando a questão afro religiosa à educação. Vamos fazer um paralelo. A capoeira por exemplo, que é muita ligada a negritude brasileira, dentro da escola, se alguém é adepto da religião afro, e vai se expressar, é discriminado em alguns momentos! Existe também os casos dos praticantes que estão inseridos no momento e que mesmo assim sofrem discriminação, pois até porque o próprio segmento não consegue explicar sua prática. Precisamos, por exemplo, ter espaço para esclarecer mais sobre nossa prática como modelo da religião, esclarecimentos que podem ser dados inclusive dentro de ambientes escolares e no meio da educação. Temos que voltar nossos olhares para a formação dessa juventude, hoje, para que amanhã nós tenhamos cidadãos já conscientizados sobre a nossa cultura afro religiosa.
Jornal do Capoeira - Pai Carlos, em relação ao processo globalizado, o reconhecimento da Constituição, que tem assegurado as praticas das religiões sem preconceitos.  Acabou aquela perseguição aos cultos afro brasileiros?
Pai Carlos - "Quando se fala em sincretismo religioso, seria a comparação de Santo com com Orixá. Hoje ao mesmo tempo que combatemos o sincretismo - porque não tem nada a ver o Santo da Igreja Católica com o Orixá-, por outro lado não vamos nos desfazer de ninguém e nem enfiar na cabeça de cada um sobre nossas crenças. Temos ainda as pessoas mais antigas que acreditam nesse sincretismo e que o melhor a fazer nesse momento é somar, porque de fato, o candomblé, a cultura afro brasileira e a cultura no Brasil, de um modo geral, é muita diversificada. Por conta disso percebemos que tudo se reúne para formar uma coisa só, que é a sociedade do nosso pais. Temos tentado, através da Federação Independente dos Cultos Afro da Paraíba, mudar essa história, sabendo-se que algumas pessoas já estão se conscientizando e que, mesmo faltando muito, já temos um bom número de cidadãos conscientizados". Concluiu Pai Carlos.



Verônica, uma das coordenadoras da Bimadelê, entidade essa que vem desenvolvendo trabalho de apoio mutuo as mulheres em João Pessoa, especificamente as mulheres negras, participou da Edição especial do Jornal do Capoeira sobre o tema Capoeira & Negritude.

Jornal do Capoeira - O que representa a Bimadelê nas organizações sociais em João  Pessoa?
Verônica - "A Bimadelê representa a autonomia do movimento de mulheres negras em nosso Estado, e é uma organização que nasceu com o intuito de lutar contra o racismo e em prol da cidadania da população negra. Mas o enfoque principal do Bimadelê é, sem dúvida, a mulher negra.
Jornal do Capoeira - Seu ponto de vista com relação a capoeira e a negritude.
Verônica - "Para nós da Bimadelê a capoeira é um ponto de resistência da população negra em toda a sua história,  é um resgate histórico, e vai muito além do movimento em si, vai além da dança ou mesmo defesa pessoal. A capoeira reafirma a nossa identidade, a nossa negritude, e afirma que nós estamos aqui, que resistimos ao tempo e a todo racismo que nos envolve". Concluiu a coordenadora da Bimadelê.



O professor de história da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, Valdeci Ferreira Chagas, defendeu com muita prioridade a questão da negritude de foco voltada para a educação.

Jornal do Capoeira - Professor Valdeci, seu ponto de vista em relação à negritude e à capoeira!
Professor Valdeci - "Meu ponto de vista é que a Capoeira, seja na escola, na rua, nos bairros, ou onde ela aconteça, é sinônimo de resgate, e possibilita ao praticante, seja negro ou não, a construir uma identidade negra brasileira, valorizando-se também a cultura negra no Brasil.
Jornal do Capoeira - Considerando-se a sua negritude, esse processo social que você ultrapassou, foi acadêmico, hoje o senhor é um profissional de educação, como você do seu ponto de vista com relação a  negritude tem acesso a essa camada superior?
 Professor Valdeci - "Eu vejo a escola como um dos espaços, que possibilita ao negro, como a qualquer outro segmento da sociedade a ascensão. A escola não é o único caminho para a ascensão, mas é um dos, porque sem educação se vai a lugar algum. Precisamos, por meio dos espaços nas escolas, adquirir o conhecimento, adquirir os códigos com que a sociedade se comunica, com que a sociedade dialoga. E se você deixa um negro excluído desse espaço escolar, do espaço do conhecimento, logicamente ele vai estar excluído da sociedade. Então, nesse sentido, a escola é espaço de afirmação também da negritude, e tem o dever e a obrigação de trabalhar com os elementos da cultura negra, sendo, desta forma, um passo da promoção da chamada igualdade racial que a gente tanto discute, e que a gente tanto quer". Finalizou categoricamente o professor!

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