domingo, 16 de janeiro de 2011

Escola Mukambu e 15 Anos do Palmares

Reportagem publicada no portal Jornal do Capoeira em 23/12/2005

Contramestre Fernando Moreira fala da "Escola Mukambu de Capoeira Angola" e dos 15 anos do Grupo Palmares de Mestre NÔ em João Pessoa



Jornal do Capoeira - www.capoeira.jex.com.br
Edição 54 - de 18/dez a 25/dez de 2005

Nota do Editor:
Neste ano de 2005 o Jornal do Capoeira recebeu contribuições importantíssimas das diversas regiões do Brasil: Rio, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco, Brasília etc. Particularmente tomo a liberdade de parabenizar dois Estados, a Paraíba e o Maranhão. O primeiro que tem contato com a brilhantemente cobertura jornalístico-cultural do amigo Benedito dos Santos (Bené), e o segundo que conta com a participação do professorLeopoldo Vaz do CEFET-MA. Nossa meta para 2006 é estender a atuação para mais alguns Estados, senão todos! Parabéns Bené e a todos os Mestres e grupos da Paraíba! Vamos a entrevista "saideira" de  2005.




                Iêêê! Miltinho Astronauta
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Grupo Zumbi de Cultura Palmares
João Pessoa - Paraíba

O coordenador da Escola Mukambu de Capoeira Angola Palmares, contramestreFernando Moreira, realiza com pleno êxito trabalhos nas sedes de Cabedelo, Alto do Mateus e também da Alemanha. Fernando atua na busca pela sustentação da cultura através de parcerias e fala também dos quinze anos de atuação da Associação Brasileira de Capoeira Angola Palmares, sob a supervisão geral domestre Nô.

JOC: Contramestre Fernando Moreira, fale um pouco do seu trabalho na Alemanha.

Fernando Moreira: Atualmente resido e trabalho na Alemanha, desenvolvendo atividades com capoeira nas cidades de Hamburgo, onde resido, e Lunemburgo. Os projetos que desenvolvo na Europa são semelhantes aos do Brasil, porque são projetos voltados também para a área social. Trabalho também com a universidade e com escolas, atendendo crianças e adolescentes; esse trabalho é um pouco da continuidade do que nós fazemos aqui na Paraíba, mas o público é socialmente um pouco diferente.

JOC: As dificuldades inerentes, como idiomas, raças, além dessas dificuldades naturais, quais você passa ou já passou e tenta superar?
Fernando Moreira: Essas dificuldades lingüisticas são algo assim que realmente qualquer que saia do pais e vá viver em outro país sente, porque sem comunicação não há entendimento, não há socialização, então são dificuldades que precisam ser superadas, graças à deus eu já falo o idioma, mas as outras dificuldades também são os desligamento da família, os amigos, tudo isso, conviver com outra cultura, aprender novas formulas de se relacionar, de se comunicar com as pessoas, isso também são desafios que é preciso que estejamos abertos para isso, porque se torna uma dificuldades que muitas vezes muitos desistem e não conseguem superar essas dificuldades, porque é realmente voltar a ser criança, aprender tudo de novo, enquanto costumes, enquanto a nova língua e estar aberto para aprender e tolerar uma outra cultura, assim como também aprender a repassar a nossa cultura, é um desafio na verdade!

JOC: Fale sobre a criação da Escola Mukambu.
Fernando Moreira: A escola Mukambu de Capoeira Angola Palmares, é uma idéia que surgiu em 1998, quando eu já sentia necessidade de ligar a nossa ação a um nome e a um projeto. Nós já temos essa coisa do grupo Palmares - uma homenagem ao grande Quilombo de Palmares-, mas buscamos também uma ação que tivesse uma denominação parecida e que nós mesmos tivéssemos a consciência de que a nossa ação, era uma pequena ação dentro de um trabalho maior: o trabalho do grupo Palmares. Surgiu então a idéia do Projeto Mukumbu, uma referência às pequenas aldeias que formavam os quilombos. Nossa idéia e ação política com a capoeira e social partiram desse princípio, como se fossemos aldeia de trabalhos e de ações que, mesmo sendo pequenas, ao serem somadas formariam as grandes ações, que é a consciência e o trabalho com a capoeira e com a cultura negra de modo geral.

JOC: Qual a origem da palavra Mukumbu? É algum dialeto afro?
Fernando Moreira: A palavra Mukumbu vem "kibumdo", que é uma das centenas de línguas faladas na África. O kibumdo é uma língua que foi e continua sendo muito utilizada, tanto é que influenciou a formação do linguajar de diversas regiões do Brasil, principalmente a Bahia.

JOC: Você teria exemplos de Kibumdo?
Fernando Moreira: No mucambo, temos a palavra moleque, caxixi, entre outras. Tem muita gente que confunde mucambo com mucama, e são termos com significados distintos. Tem um trabalho do professor Oscar Ribas na Internet que trás uma lista de palavras kimbundo utilizadas na nossa língua atualmente.

JOC: Em Julho último, se comemorou 15 anos de atuação do Capoeira Angola Palmares de Mestre Nô na Paraíba. Como você avalia este período?
Fernando Moreira: São 15 anos de muito trabalho e muitas descobertas, mas também de muitas decepções, como haveria de ser em qualquer trabalho coletivo. Creio que esses 15 anos de atuação do Grupo Palmares deu uma direção positiva para a capoeira no Estado da Paraíba, porque quando o Grupo Palmares chegou aqui a Capoeira não tinha a dimensão que tem hoje. Os mestres mais antigos podem confirmar isto. Então na minha concepção foi na chegada do Palmares que houve mais encontros, os capoeiristas tiveram a preocupação de viajarem mais em busca de informações e, consequentemente, terem contatos com outros capoeiristas. Vejo estes 15 anos de forma muito positiva, mas lamentavelmente, neste período, perdemos alguns membros que se desligaram da Palmares. O trabalho da Palmares contribuiu positivamente com a Capoeira no estado da Paraíba, especificamente em João Pessoa.

JOC: Como você avalia a Capoeira enquanto Cultura?
Fernando Moreira: A capoeira sempre foi e sempre será cultura, apesar dela receber hoje varias denominações, como é o caso de sua face desporto. Em uma entrevista de certo mestre ele dizia: "A capoeira é como uma mão, porque ela é composta de vários elementos, cultura, filosofia, até mesmo desporto, entre outros fatores que formam a capoeira", porém, se tirar um desses elementos, é como uma mão sem o dedo, esse elemento que se desliga da capoeira, esse elemento vai morrer. Então se a capoeira ficar apenas como desporto, ela vai perder muito, porque são muitos elementos que a compõem e esses elementos, esses costumes, no meu entender é o que formam a palavra cultura, que são expressão de um povo.

JOC: Qual a importância da Internet na capoeira?
Fernando Moreira: Lamento que alguns colegas de profissão e alguns alunos ainda não tenham acesso a esse tipo de benefício, e vejo a Internet de forma muito positiva. Haja visto que em alguns minutos é possível acessar centenas de informações. Eu incentivo e acredito que todos devam procurar ter o mínimo de conhecimento em informática para poder ter acesso a esses benefícios, e a Internet é um beneficio de valor incalculável. Frisou o contramestre Fernando Moreira.

JOC: Como você vê as mais recentes demissões dentro do grupo palmares, incluindo-se na Paraíba?
Fernando Moreira: Lamento! Lamento porque algumas situações poderiam ser evitadas, mas também entendo que faz parte do processo evolutivo da capoeira, que antigamente, não muito longe, mas quando eu comecei capoeira, ainda tinha aquele sistema de o aluno se tornar professor, sair para construir o seu caminho, colocar em pratica o que o mestre tinha ensinado até aquele momento. E, é claro, teria o acompanhamento do mestre sempre, o mestre o acompanhava e o aconselhava sempre que necessário. Com o advento desses grandes grupos, mega grupos, creio que começou algo como uma forma de manter o aluno na mesma instituição, no mesmo grupo, acho que isso é um aspecto negativo que aconteceu na capoeira. Essa coisa do grande grupo ter que agregar muita gente, aquela coisa do ficar todo mundo ali, no mesmo lugar, no mesmo espaço, na mesma casa é algo complicado. Acho que é um processo natural, todo mundo buscar sua melhora, agora no caso especifico da Paraíba, acredito que poderia ter sido de outra forma, de uma forma que não houvesse assim, tantos danos emocionais nas partes envolvidas.

JOC: Recentemente, foi realizado a "I Conferência Internacional de Capoeira Angola" em João Pessoa. Que resultados e perspectivas você avalia desse evento?
Fernando Moreira: Eu avalio de forma muito positiva, mesmo tendo participado apenas dois dias. A Escola Mukumbu de Capoeira Angola Palmares esteve representada por dois de nossos integrantes e os relatos dos mesmos foram positivos. Eles elogiaram bastante a atuação dos mestres de capoeira, e eu achei isso interessante, porque a gente percebe que a cada dia os mestres têm essa preocupação de estarem mais perto do aluno, atendendo as necessidades de ânsia de conhecimento eles têm. No tempo que eu comecei era todo muito mais difícil, havia uma distância entre o mestre e o aluno. Percebo que a cada dia isso essa distância é menor. Há tendência desse encontro crescer, não para beneficiar esse ou aquele grupo, mas a capoeira de modo geral, pois vai possibilitar uma discussão, uma discussão ampla sobre a capoeira, sobre temas que são de interesse de todos nós. Confirma o contramestre.

JOC: Você realizou recentemente um encontro de capoeira. Quais as expectativas do Mukumbo para os próximos eventos?
Fernando Moreira: Fizemos o "Encontro Mukumbo de Capoeira Angola Palmares" como um desafio, pois, na verdade, há dois anos atrás (2003) a situação da Capoeira Angola Palmares na Paraíba já era difícil. Mesmo sabendo que se tinha uma base sólida, que era a base mais antiga, o mestre Sabiáhavia saído do grupo, e os mestres Naldinho havia permanecido e o mestre Tunico, que nos dava total cobertura. Neste ano de 2005, tanto o mestre Sabiá, Naldinho e o Mestre Tunico (que mesmo sendo de outro estado está muito próximo da capoeira paraibana), estavam ausentes. Este foi o grande desafio, fazer um evento mesmo sem esses mestres estarem presentes. Felizmente conseguimos trazer o mestre Sabiá e o mestre Naldinho. O mesmo não foi possível com o Mestre Tunico, o que foi uma pena e sentimos muito. Mas também entendemos que era fato muito recente, a sua saída do grupo, e precisava de tempo conforme o mesmo mestre esclareceu depois. Nosso desafio foi contar com o apoio desses mestres que foram do grupo Palmares e hoje não são mais, e que apoiaram o nosso evento em sua totalidade. O evento teve boa aceitação pela comunidade e foi realizado em João Pessoa, Cabedelo e Campina Grande. Conseguimos mostrar  que existe a Escola Mukumbo de Capoeira Angola Palmares nessas 3 cidade, nesses três pólos importantes da Paraíba. E o desafio foi muito grande, assim como a coordenação do Grupo Zumbi de Cultura Popular, que é acostumado a fazerem evento sabe lidar com esse nível de dificuldade, mas nos sentimos muito feliz. E para um futuro próximo estamos planejando novas atividades, temos algumas idéias, ainda estamos no processo de avaliação, pois, eventos a partir de agora, encontros, implicam não só o Brasil, pois tem eventos que queremos fazer na Europa, e estamos trabalhando na elaboração de um calendário internacional de trabalho.

JOC: Então sua mensagem final para os capoeirista do Brasil e do mundo.
Fernando Moreira: Para eu dar uma mensagem final para todos, não vou dizer que é uma tarefa difícil, mas é uma responsabilidade, haja visto que eu não tenho tanto tempo de capoeira, assim de pratica, mas o que eu posso dizer, no meu entendimento é que o capoeirista, antes de se colocar com tal, e de querer se auto afirmar, ele tem que entender que ele é um cidadão. Ele sendo um cidadão, tem que entender que deve respeitar o outro para poder se fazer respeitar. Partindo deste principio, trazendo esse ensinamento para a capoeira, aprender a respeitar as diferenças e aceitar as diferenças, tolerar o outro, que muitas vezes nós pecamos como pessoa e como capoeirista. As vezes acreditamos que as nossas convicções são as únicas verdadeiras, que as nossas opiniões são as únicas que tem valor, mas na verdade não é assim, a capoeira é um processo coletivo, um processo de aprendizagem coletiva, e da mesma forma que estamos dispostos a falar o que sentimos também temos que estarmos abertos para ouvirmos o que o outro sente. Acho que essa falta de entendimento é que compromete muito vezes os relacionamentos entre amigos, até do mesmo grupo, da mesma escola, e entre mestres e alunos. É um processo difícil, mas temos que exercitar, há casos que se tornam difíceis, mais é um exercício na capoeira, uma vez que ninguém é dono de ninguém, e ninguém é senhor absoluto da verdade. Finalizou o contramestre Fernando Moreira.

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