domingo, 16 de janeiro de 2011

Mestre Naldinho avalia saída da Capoeira Angola Palmares na Paraíba

Artigo publicado pelo portal Jornal do Capoeira em 28/01/2005

Nesta entrevista, realizada pelo pesquisador de cultura popular BenéMestre Naldinho  fala sobre seu trabalho na Paraíba, além de avaliar seu desligamento da Capoeira Angola Palmares de Mestre Nô.

Sob a responsabilidade do senhor Norival Moreira de Oliveira, Mestre Nô, a  Associação Cultural de Capoeira Angola Palmares, fez e deixou história na Paraíba. Mais precisamente em 1990, o mestre Nô inicia supervisão aos grupos Badauê de PalmaresLua de Palmares e Senzala de Palmares, passando depois todos a se intitularem Capoeira Angola Palmares. Sentimentos humanos, são coisas que não se podem desconsiderar num trabalho coletivo. Analisando todo esse período de existência da Capoeira Palmares na Paraíba, percebo que falta, assim como falta no resto do Brasil, ver que as pessoas têm sentimentos e as vezes as decisões são tomadas sem levar em consideração esse parâmetro. Observa-se que nos grupos ou associações, há uma hierarquia exagerada, levando-se em consideração um novelo de lã, que transformado em um símbolo de força, perpassa todos os outros sentimentos, fazendo valer apenas aquela autoridade outorgada pelo cordel, ou seja, temos medo e não respeito.

E isso, na maioria das vezes, gera o que sempre ouvimos ou escutamos: fim disso, extinção daquilo, desfiliação daquele outro. Precisamos fazer uma reengenharia da Capoeira, mostrando e comprovando que a tecnologia está aí. Não eliminar e sim para somar todas as intenções que unam os sentimentos das pessoas bem intencionadas. Afinal de contas a capoeira está cheia de grandes filósofos (os mestres da velha guarda), nós que estamos surgindo com esses novos aparatos tecnológicos e toda liberdade possível de expressão, devemos parar para uma tomada de consciência.

Trago aos internautas do Jornal do CAPOEIRA, uma entrevista com o senhor Inaldo Ferreira de Lima, o Mestre Naldinho, fruto dessa nova geração de mestres, e que graças a Deus parece estar bebendo dessa nova forma de fazer e viver a história da Capoeira.

Segue na íntegra a entrevista.

JCap " Mestre Naldinho, fale um pouco do seu trabalho na Paraíba!
M.Naldinho -- O nosso trabalho começou em 1980 com a fundação do Grupo Senzala de Capoeira. O nome era uma homenagem a Senzala onde os escravos moravam. Esse trabalho que durou 10 anos, até conhecer mestre Nô de Salvador, presidente do Grupo Palmares de Capoeira, que veio a João Pessoa, através de um aluno dele, o professor Aluisio Guerra, que ministrava aulas aqui. Fomos convidados a participar do evento chamado "I Batizado de Capoeira em João Pessoa", evento este que durou três dias.
Nessa ocasião, conhecemos o mestre Nô. Ele e outros mestres presentes conheceram o nosso trabalho e isso gerou um convite para filiarmos ao Grupo Palmares. Aceitamos o convite e mudamos consequentemente o nome do nosso grupo, que passou a ser Grupo de Capoeira Senzala de Palmares. Esse trabalho continuou sendo desenvolvido dessa vez sendo orientado pelo mestre Nô e que em 1997 teve uma mudança no nome do grupo, quando foi retirado o nome Senzala. Isso ocorreu depois de uma reunião em 1996 para mudança geral do grupo, pois existiam vários grupos filiados ao Capoeira Palmares do mestre Nô. Cada grupo tinha o seu nome e a idéia do mestre Nô era que nós tivéssemos apenas o mesmo nome, Capoeira Palmares. Mas como houve resistência por parte de alguns mestres do grupo, continuaram com o nome.
Em 1997 nós fizemos mais um festival " o segundo, pois o primeiro foi em 1996. Foi quando nós resolvemos colocar o nome Angola dentro do símbolo do Capoeira Palmares, e no festival tivemos a ousadia de colocar Capoeira Angola Palmares. O nome foi bem aceito pelo mestre Nô e está ai até hoje. Nosso trabalho passou consequentemente a ser chamado de Capoeira Angola Palmares do Mestre Naldinho e alunos. Esse nome foi utilizado até 2004.
Esse período até 2004, foi muito proveitoso, pois nós recebemos muita coisa boa dentro da capoeira, alguns conhecimentos, viajamos muito todo o tempo que tivemos com o mestre Nô. Conhecemos muitas pessoas com ele, conhecemos muitas pessoas diferentes e aprendemos muito de capoeira. Também demos muita coisa ao mestre Nô dentro da capoeira. Mas nós sentimos a necessidade de fazer um trabalho a parte.  E no final de 2004, durante o Festival, anunciamos o nosso desligamento do Capoeira Angola Palmares.
Começamos uma nova fase, mas o trabalho é a continuidade do que iniciamos em 1980. Fundamos então o Capoeira Angola Comunidade do Mestre Naldinho, com a participação dos contra mestresChicoRobson e dos alunos.
JCap " Nós temos muito o que falar da Palmares na Paraíba, o que ela deixou, mas eu gostaria que o senhor explicasse para os leitores do Jornal do CAPOEIRA, a diferença, como o senhor frisou, em vez de batizado - como é  de costume adotado pelos grupos de capoeira pelo Brasil afora " realizar Festival... o que isso tem representado para a capoeira na Paraíba?
M.Naldinho -- É verdade, esse (...) a história de batizado para a capoeira angola, é um (...) eu viajo pelo Brasil, pelo mundo e quando se fala  de batizado, é uma coisa que foi criado pela Capoeira Regional, que tratava apenas da roda, botava o aluno para jogar com o mestre, o mestre aplicava um desequilibrante e entregava o cordel e aí era o batizado apenas. Poderia ser "Encontro de Capoeira angola", mas em 1996, pôr intermédio do mestre Marron do Rio de Janeiro (obrigado Marron!!)... Eu comecei a ver de uma outra maneira os encontros de Capoeira, e daí tirei de imediato o nome de batizado ou batismo de capoeira e também tirei o título de exame de graduação, e começamos a usar o nome de Festival de Capoeira Angola.
Pra que isso! " pra que mestre que fosse convidado, se sentisse forte para ministrar oficina, participar de palestras, e discussões com nosso alunos, contra-mestres e professores e comigo. E também para que os alunos se sentissem a vontade para cobrar as coisas, os ensinamentos dos mestres convidados. Minha intenção era apagar de vez, dentro da Paraíba, o exame de graduação que era uma "rinha", onde dois gladiadores iam matar um ao outro, isso era o que acontecia, e o grupo estava dentro desse contexto. A idéia de tirar o título exame de graduação, dentro de um festival, e também tirar as brigas, acabar com a violência nos encontros de Capoeira. É muito bom quando você uso o nome festival para determinada coisa, no caso a capoeira, porque a energia positiva que vem pra dentro do encontro é muito grande, se o festival tem duração de cinco dias, é muito bom, se  vai durar só dois dias, também é muito bom, por que o mestre  que eu convidei, que a comunidade convidou, irá fazer um trabalho a vontade, vem para uma festa, não apenas para uma roda, onde vai ter que mostrar que é  melhor que o outro, não!
Vem para uma festa, um festival, sinônimo de alegria entre alunos contra-mestres e mestres.
JCap " Como você avalia seu trabalho com relação a outros mestres na Paraíba com relação a essa mudança de métodos no encerramento de cada ano e a relação com o próprio batizado. Qual sua opinião de positivo entre um e outro, desde que foi implantado o festival?
M.Naldinho -- Bom, de positivo tem muita coisa, é tanto que quando termina o festival, temos em seguida uma reunião de avaliação. Eu não consegui ainda anotar muita coisa de negativo não. É que dentro de um festival de capoeira as falhas são tão pequenas, que o lado positivo cobre a parte negativa, ficando apenas um ensinamento para o nosso próximo festival.
Quanto ao batizado dos outros mestres na Paraíba, continuam acontecendo, sou convidado a participar de muito deles, eu vou lá e faço, junto com meus contramestres e meus professores, parte da festa do pessoal. Talvez eles pensem como batizado, que eu tenho que chegar lá e mostrar que sou mestre, que meu aluno é contramestre, temos que provar alguma coisa e nós não gostamos disso, não precisamos estar trocando pancada com aluno ou com outro mestre para mostrar que sou mestre; para mostrar que é mestre a gente faz a festa pra gente e convida o povo, pra eles entenderem porque do título mestre, porque do título festival. Mas estamos começando, só temos vinte e cinco anos de trabalho, e cada dia pra quem está começando é um ensinamento, a vida na capoeira é como um livro, cada dia que passa é uma página e cada página é uma coisa diferente. Vamos continuar mudando, os festivais vão continuar crescendo e continuar acontecendo na Paraíba e no Brasil. Enquanto isso, no batismo de capoeira, as algumas pessoas infelizmente vão estar se digladiando.  
JCap " Com relação ao Jornal do Capoeira, que a partir de agora está circulando, em suas páginas pela Internet, informações acerca da cultura popular na Paraíba, especificamente sobre a cultura que permeia a capoeira!
M.Naldinho -- Primeiro eu quero dar os parabéns ao pessoal do Jornal do Capoeira, que isso mostra o desenvolvimento da capoeira, nós já temos uma roda virtual, a internet agora não para, é muito interessante a Roda Virtual e o Jornal Virtual, é tudo que a capoeira tava precisando nos dias de hoje, tá desenvolvendo e tem que acompanhar o desenvolvimento da tecnologia, é muito interessante.
Quando eu posso eu escreve uma matéria para botar no jornal, e muita gente vai pegar  o papel, abrir as páginas e ler, porém, é muito interessante esse público de internautas que temos hoje, ele é muito grande. Então estão de parabéns e com certeza a Paraíba vai dar muita contribuição na pessoa deBené, que está sob sua responsabilidade na Paraíba. Ele tem muita coisa para mostrar e a Paraíba tem muita coisa para falar sobre Capoeira, sobre as atividades culturais do estado, sobre os outros grupos de capoeira que estão envolvidos nas outras partes culturais, não só capoeira, mas nas outras atividades culturais do Estado.
JCap " Para concluirmos nossa entrevista, gostaríamos de ouvir do senhor, o perfil do mestre Naldinho, sua personalidade como pessoa e como capoeirista, um breve histórico do Mestre Naldinho!.
M.Naldinho -- Breve!.. (risos) " meu nome é Inaldo Ferreira de Lima, eu gosto que a pessoas saibam o meu nome, estou na casa dos quarenta anos de idade, comecei a praticar capoeira com oito anos, então eu já tenho um certo tempo, eu gosto de ser alegre. Participo de várias atividades, sou funcionário público e minhas atividades são diretamente com o ser humano - trabalho com todo tipo de ser humano - pelas minhas atividades profissionais, então muitas horas tenho que ser muito sério para dizer algumas coisas do meu trabalho. Outras horas eu tenho que ser muito extrovertido, também para conseguir solucionar alguns problemas do dia-a-dia do trabalho, outras vezes eu tenho que ser pai de muita gente, tenho que ser filho e eu procuro ser o mais verdadeiro possível. Eu vou rir na hora de rir e quando tenho que chorar, eu abaixo a cabeça e choro também, porque eu sou ser humano e como ser humano, tomo minhas rasteiras, quando posso aplico minhas rasteiras na roda, e na vida estou sempre tentando está preparado para as rodas do dia-a-dia dentro da capoeira e da vida.
JCap " Mestre, sua mensagem final para os capoeiristas desse Brasil a fora que  a partir de agora estão "degustando" as informações da Capoeira e da cultura paraibana de modo geral.
M.Naldinho -- Na Paraíba tem capoeira. Na Paraíba tem Capoeira Angola, na Paraíba tem muita gente que está desenvolvendo capoeira e a mensagem principal, continuem treinando capoeira. E quem não é procure um tempo, procure uma maneira, um professor, um mestre, um contramestre, pessoas que saibam fazer o trabalho. E comece a pesquisar. E que os mestres, os  novos mestres, as pessoas que estão chegando agora a mestria, pesquise sobre capoeira, procure os mestres mais antigos, os velhos mestres, os mestres velhos, procurem que esse pessoal tem muita coisa para passar pra gente. Sejam humildes, pois é muito interessante que o ser humano seja humilde, porque a humildade, para mim, é um principio da plenitude!
E assim, fechamos mais uma entrevista exclusiva da Paraíba para o "Jornal do CAPOEIRA", lembrando aos ansiosos que não se precipitem, pois não haverá privilégios de publicação de matérias e as informações geradas de todos os recantos da Paraíba, no que diz a história da Capoeira, serão publicadas, seja benéficas ou maléficas. Pois assim como as bombas que estouram no Iraque e são informadas ao mundo, as nossas "bombas", também o serão, afinal de contas, a história da capoeira não pertence  a "A ou B", ela é um patrimônio  da cultura Afro-brasileira.  
Nota da Redação: Na foto aparecem os Mestres Jorge Satélite e Dinelson, da Bahia, e Mestre Naldinho da Paraíba " Festival de Capoeira de 2004.
Entrevista realizada por Bené (PB) em Janeiro de 2005. Bené é pesquisador de Cultura Popular da Paraíba, e integrante do Grupo Zumbi de Cultura Popular.

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